Está rendendo frutos a estratégia da União de buscar recursos para tentar realizar o ajuste fiscal por meio de vitórias em processos judiciais e medidas aprovadas pelo Congresso. Mas o fato de o governo contar com essa forma de aumentar sua receita expõe a falta de uma política econômica sustentável no médio e longo prazos.

Desde que enviou ao Congresso o arcabouço fiscal, em abril, tornou-se explícita a intenção da equipe econômica de basear o equilíbrio das contas no dinheiro que entrasse nos seus cofres como resultado de julgamentos ou votações que envolvem questões tributárias. Um levantamento de decisões nesse sentido anunciadas nas últimas semanas indica que as vitórias do governo federal resultariam numa receita extra de mais de R$ 120 bilhões.

Esse valor é, potencialmente, o que os contribuintes teriam que pagar à Receita Federal com os novos entendimentos em disputas nos tribunais ou decisões de congressistas. Sabe-se, porém, que é longo o caminho para que um novo entendimento tributário resulte efetivamente na entrada de dinheiro nos cofres públicos – em alguns casos, as medidas ainda podem ser contestadas ou é preciso esperar para o detalhamento das normas. E sempre pode se imaginar que especialistas em planejamento tributário podem encontrar brechas nos detalhes das regras.

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Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, afirmaram que algo como R$ 120 bilhões seria a receita adicional necessária para fechar as contas deste ano. O arcabouço está calçado mais em aumento das receitas do que em cortes de despesas – e esse é um dos pontos do projeto mais criticados por economistas que defendem rigor fiscal.

Na quarta-feira, o Senado regulamentou o pagamento de impostos sobre as transações entre empresas no Brasil e no exterior, que pode resultar num ganho fiscal de até R$ 23 bilhões. Mais significativa foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de exigir que as empresas paguem impostos federais nos casos de benefícios fiscais concedidos pelos Estados. Esse processo pode elevar a arrecadação da União em R$ 90 bilhões. Também no STJ, duas outras decisões atenderam aos pedidos da União em casos envolvendo servidores do Judiciário e do Ministério Público e pagamentos de tributos por empresas que seguem o regime do lucro presumido.

Não é ilegal ou impróprio que a União busque ganhar processos que possam acarretar em ganhos fiscais. Num país em que a judicialização, mesmo de pequenas causas, aumentou muito, especialistas calculam que o Supremo poderá julgar, neste ano, uma pauta tributária em que os principais processos teriam um impacto de mais de R$ 600 bilhões neste e nos próximos anos.

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A escolha desse caminho não deveria, no entanto, substituir uma política econômica consistente, que sobreviva por anos e que não dependa dos humores dos juízes ou de congressistas. No Brasil, não é infrequente que decisões judiciais, mesmo aquelas tomadas pelas Cortes superiores, sejam reformadas depois de algum tempo. É temerário, portanto, sustentar o ajuste fiscal numa aposta repleta de riscos.

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