Nos dias 5 e 6 de março, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) organizaram uma Reunião Temática sobre Ciência na Base da Inovação, preparatória para a 5ª CNCTI, com foco em inovação com base em ciência. O evento foi realizado na sede da ABC, no Rio de Janeiro.

Os Acadêmicos Jailson de Andrade, vice-presidente da ABC, e Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC

Na abertura, o vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jailson de Andrade, explicou que o objetivo da 5ª CNCTI é definir uma estratégia nacional e garantir recursos para os próximos dez anos, e vai reunir contribuições de toda a sociedade para o setor. “Ela chega num bom momento, em que a ciência está pacificada, os recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] estão liberados e estão sendo estabelecidas novas ações em parceria com o setor privado.”

O vice coordenador nacional da 5ª CNCTI, o Acadêmico Anderson Gomes, esclareceu que reuniões como esta estão ocorrendo no país inteiro e os relatórios serão reunidos para embasar o evento nacional. “Estão acontecendo conferências livres e temáticas, conferências estaduais em todos os estados e no DF, e mais as regionais. Serão umas 150 atividades tratando de ciência, tecnologia e inovação [CT&I], cobrindo todas as áreas, preparatórias para a Conferência Nacional, que será entre 4 e 6 de junho, em Brasília.”

O planeta não precisa de salvação

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Acadêmico Renato Janine Ribeiro, afirmou que “se nós queremos que o Brasil se torne uma potência desenvolvida e socialmente justa temos que basear esse processo na ciência, tecnologia e inovação. E hoje e amanhã vamos discutir os alicerces para tanto – a questão ambiental, a segurança alimentar, a inteligência artificial, os laços sociais e outras áreas básicas.”

Janine apontou que o problema da humanidade atualmente não é “salvar o planeta”. “O planeta não precisa ser salvo. Ele vai se regenerar, conosco ou ‘sem nosco’. Se a humanidade acabar por conta dessas catástrofes – que ela mesma criou com seus desmandos -, o planeta vai apenas ficar sem esses mamíferos de porte médio, um pouco arrogantes, que somos nós.”

Jailson de Andrade, coordenador da mesa, Paulo Artaxo, Gonçalo Pereira e Segen Estefen

Mercado de petróleo aumenta e gera desigualdade

O engenheiro agrônomo e geneticista Gonçalo Amarante (Unicamp) falou sobre energia, de forma bastante realista e crítica à transição energética da forma como vem sendo conduzida. “1% da população emite o correspondente a 66% dos mais pobres. Entre as dez empresas de maior lucratividade no mundo, cinco são de petróleo. É um mercado gigantesco, que só faz aumentar, em torno de 6% ao ano”, apontou. O grande problema é que é uma área que não gera emprego, gera desigualdade. “O mundo não está combatendo carbono, está combatendo emprego”, assinalou.

Sobre a transição, destacou que os transportes elétricos são uma boa opção, desde que não tenham baterias metálicas. “O carro híbrido emite menos CO2 do que o carro elétrico movido por bateria”, explicou. E reforçou o potencial do Brasil para a produção de etanol. “A matéria-prima para o etanol não precisa competir com alimentos. No sertão nordestino, o etanol pode ser produzido a partir de agave.”

Brasil não está aproveitando suas vantagens estratégicas

Professor titular da USP em física ambiental, o Acadêmico Paulo Artaxo trabalhou na NASA, na Universidade de Harvard, no Instituto Max Planck e na Universidade de Estocolmo, além de atuar ativamente no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Focando sua apresentação em mudanças climáticas e meio ambiente na Amazônia, o cientista concordou que as emissões globais de gases de efeito estufa continuam a aumentar. Na China, aumentaram 208%; na Índia, 155%.

“É fato que os combustíveis verdes estão recebendo investimento maiores em todo o mundo, mas também é fato que o investimento nos combustíveis fósseis não está diminuindo.” Mas ele garante: transição energética não é uma opção, ela vai acontecer. Temos que saber é como vamos fazer, como se vai se dar esse jogo político, econômico e social”, afirmou Artaxo.

De acordo com o pesquisador, soluções já existem. “Já temos opções em todos os setores da economia que podem reduzir pela metade as emissões até 2030”, afirmou. Ele relatou que o preço da geração de energia solar caiu muito e listou outras ações para redução de emissões no setor energético e mudança de uso do solo. “Sequestro de carbono na agricultura, restauração de ecossistemas, reflorestamento, redução da perda e desperdício de alimentos, enfim, há vários recursos que dependem de vontade política”, avaliou.

Para o Brasil, a situação é favorável. Artaxo destacou que 84%da nossa eletricidade já é renovável. “Nenhum país chega nem perto disso. Porém, não estamos aproveitando isso estrategicamente.”  Ele relatou que 52% das emissões do Brasil são de desmatamento da Amazônia. “Então é uma oportunidade de ouro: reduzindo o desmatamento, podemos reduzir à metade essa quantidade de emissões. Nenhum outro país tem essa possibilidade.”

Economia azul

O Acadêmico Segen Estefen, diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO) e coordenador do Grupo de Energia Renovável no Oceano da Coppe/UFRJ, abordou o papel do oceano na transição energética.

Ele explicou que o Brasil possui potencial energético relevante associado às fontes oceânicas (ondas, marés, correntes e gradientes de temperatura e de salinidade) e às fontes eólica e  solar offshore. “A conversão de ondas em energia elétrica já está sendo feita num protótipo, no Ceará”, relatou Estefen. Ele explicou o exemplo do gradiente térmico: “Quando a diferença de temperatura entre a superfície da água e a temperatura do fundo do mar é igual ou maior que 20 graus, é possível a geração de energia”, afirmou.

Resumindo, Estefen ressaltou que o Brasil precisa desenvolver as potencialidades do oceano, a economia azul. “Temos intensidade solar muito grande no Brasil, especialmente no Nordeste, temos que aproveitar isso. É preciso investir maior esforço na estimativa do potencial técnico dos recursos energéticos renováveis, como modelagem numérica, imagens de satélite, medições locais”, explicou.

José Oswaldo Siqueira, Fernanda Sobral, coordenadora da mesa, José Tundisi, Maria Teresa Piedade e Luiz Drude de Lacerda

Brasil produz alimento suficiente, mas brasileiro não pode pagar

Professor emérito da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e diretor do Instituto Tecnológico Vale (ITV), o Acadêmico José Oswaldo Siqueira é engenheiro agrônomo especialista em ciência do solo e fertilizantes, e se dedica atualmente à sustentabilidade agrícola e ambiental e desenvolvimento sustentável, com ênfase em recursos naturais, segurança alimentar e fome.

“A fome não é um fenômeno recente, é uma covardia social requintada. No Brasil, é um desastre político e social”, afirmou Siqueira. Ele define a segurança alimentar como a garantia de todas as dimensões que inibem a ocorrência da fome. “Isso é muito mais do que a produção de alimentos. Envolve nutrição, qualidade de vida e sustentabilidade. É de natureza social, política e econômica”, ressaltou.

Na visão de Siqueira, o Brasil fez uma revolução no agronegócio graças à ciência e tecnologia, mas a fome persiste. “Agora não há escassez, mas falta acesso, ou seja, as pessoas não podem pagar”, resumiu. O ciclo da fome envolve a instabilidade na oferta, que estimula a exportação, e a incapacidade de consumo – falta de emprego e renda, salários baixos, inflação elevada, concentração de renda. E ainda há a questão do colapso nutricional: o aumento na produtividade de alimentos gerou queda da qualidade nutricional. “Surgiu a fome escondida, que tem um impacto econômico muito forte”, apontou o Acadêmico.

O país tem 2,8% da população mundial, e contribui com 10% da produção global de alimentos, que são suficientes para alimentar 20% dos habitantes do planeta. “No entanto, ainda temos 15% da população com insegurança alimentar grave”. Ou seja, é um caso de demanda de políticas sociais, públicas, para resolver o problema.

Segurança hídrica: problemas de gestão e falta de política pública

Professor titular aposentado da Escola de Engenharia de São Carlos (USP) e presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), o Acadêmico José Tundisi é secretário de Ciência e Tecnologia da cidade há sete anos. Ele apresentou a definição de segurança hídrica da Unesco: “É a capacidade de uma população garantir o acesso a quantidades adequadas de água de qualidade aceitável para sustentar a saúde humana e dos ecossistemas nas bacias hidrográficas, e assegurar proteção eficiente de vida e propriedade contra desastres relacionados com a água, como enchentes, deslizamentos e secas”.

A situação atual no mundo é de uso insustentável da água, de acordo com Tundisi, com grande vulnerabilidade das populações humanas, especialmente nas zonas periurbanas. No Brasil, são 50 milhões de pessoas vivendo em locais sem tratamento de esgoto. “83% da população brasileira tem acesso à água tratada, o que significa que 2 milhões de pessoas não tem esse acesso. Temos três mil municípios com lixões a céu aberto. Até as áreas rurais têm deficiência no acesso à água de qualidade”, destacou.

Com as mudanças climáticas teremos aumento de eventos extremos: muito calor, secas, chuvas intensas. Isso vai aumentar as doenças de veiculação hídrica, com impactos severos na saúde humana e nas economias locais e regionais, assim como nos ecossistemas. Enfim, também na questão da segurança hídrica o problema é de gestão e de políticas públicas. “O gerenciamento ambiental no século 21 não pode ser como o do século XX, de resposta. Tem que ser preditivo, prever o que vai acontecer, para prevenir e não remediar.

A Agência Nacional de Águas fez um estudo que aponta que em 2040 haverá 40% a menos de disponibilidade de água no Brasil. “O conceito de sistema complexo não está incorporado na gestão dos municípios brasileiros, nenhum está preparado para enfrentar as mudanças globais”, alertou o Acadêmico. “No Brasil temos mais celulares que banheiros. É a diferença entre modernização (celulares) e desenvolvimento (banheiros).”

Soma de esforços e ações para enfrentar mudanças climáticas na Amazônia

Doutora em ecologia, a Acadêmica Maria Teresa Fernandes Piedade preside o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Ela falou sobre as águas amazônicas, suas flutuações anuais e a segurança alimentar das populações residentes.

Piedade manifestou sua preocupação com a situação da região. “A duração da emergência no século XXI pelo aumento da magnitude e da frequência de eventos hidroclimáticos extremos já é quase a mesma que a do século XX inteiro”, apontou. A pesquisadora alertou que a intensificação do ciclo hidrológico recente na Amazônia Central é sem precedentes.

Eventos extremos de cheias e secas têm impactos com dimensões sociais, econômicas e ambientais complexas que desafiam as políticas públicas, os setores socioeconômicos e a sociedade. “As inundações matam árvores e ovos de tartaruga; a seca estrema mata peixes, botos, peixes-boi e outras espécies”, lamentou a Acadêmica.

A bióloga apontou que é fundamental monitorar o impacto desses eventos climáticos por meio de abordagens inter e multidisciplinares nos diversos ecossistemas e regiões da Bacia Amazônica, pois os efeitos podem diferir. Alternativas econômicas inclusivas e diversificadas são necessárias para proporcionar segurança alimentar. “Com uma mega biodiversidade como a amazônica, as alternativas devem focar em diferentes espécies, práticas, formas de manejo e turismo ecológico, evitando repetir modelos que criem economias excludentes para os habitantes da região. É necessária a soma de esforços e ações”, concluiu Maria Teresa Piedade.

Populações próximas ao limite de exposição ao mercúrio

O Acadêmico Luiz Drude de Lacerda (UFC) é doutor em ciências biológicas com foco em biofísica. Suas pesquisas englobam ambientes costeiros, metais pesados, biogeoquímica, monitoramento ambiental e o impacto das mudanças climáticas.

Na ocasião, Drude apresentou questões referentes à questão da contaminação do solo e dos peixes por mercúrio no Brasil, que afeta a segurança alimentar. “Algumas populações cuja dieta é baseada em recursos pesqueiros locais já se encontram muito próximas, ou no limite, de taxas seguras de exposição ao mercúrio pelo consumo de pescado. Isso se verifica particularmente nas regiões ribeirinhas da Amazônia e em algumas áreas costeiras do Nordeste do Brasil”, relatou.

De acordo com Drude, as alterações biogeoquímicas e biogeodinâmicas decorrentes do aquecimento global resultam em maior acumulação de mercúrioi pelo pescado. No caso da Amazônia, o desmatamento aumenta a biodisponibilidade de mercúrio. “Esta ameaça à segurança alimentar sugere a revisão dos limites legais seguros para mercúrio e talvez outros poluentes, levando em consideração os níveis de consumo, tipo de pescado e as projeções das variáveis ambientais que controlam as concentrações de mercúrio em peixes”, ressaltou o biólogo.

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