A última vez que Ana Paula Abreu, 32, falou com os tios paternos foi em 2018. “Não faz sentido se intrigar com a família por causa de política”, protestou o pai – mas a administradora se manteve firme, isolou os parentes. “Nem pretendo voltar”, ela garante.

O efeito das posições políticas opostas chegou ao ápice pouco antes das eleições gerais daquele ano. “Perguntei pro meu tio por que ele votaria naquele candidato. Os argumentos me deram tanto nojo que rompi. Não quis me desgastar mais ainda”, relembra.

Para a zootecnista Mikaelle Dutra, 31, afastar-se totalmente das discordâncias é impossível: se de um lado ela evita o contato e a presença de alguns familiares; do outro, enfrenta a polarização no ambiente de trabalho como pesquisadora.

“É como se eu estivesse cercada por lobos, me sinto acuada. Viajo a trabalho pro Centro-Oeste, e lá já ouvi: ‘e você, que vem do Nordeste, vai votar em quem?”, questiona.

Tenho familiares por quem eu tinha um carinho enorme, cresci junto, e preferi me afastar, não ter em rede social. Porque o conteúdo me aborrecia. Acabei me afastando de várias pessoas e não faço questão.

Os efeitos pesados da polarização política vivida no Brasil nos últimos anos atravessaram fortemente a vida da cearense e atingiram em cheio a saúde mental. Da família, vem a falta; do ambiente de trabalho tóxico, o medo. O equilíbrio ela encontra na terapia, desde 2020.

“Lá, tenho muitas oportunidades de emprego, mas me pergunto se valeria a pena viver uma vida cercada, com medo. A saúde mental fica totalmente desestabilizada. Fico ansiosa, agitada, a ansiedade vai lá em cima”, lamenta.

Mulher na frente do computador com expressão cansada

“Há uma cisão entre o ‘nós’ e ‘eles’, o ‘bom’ e o ‘ruim’”

A ideia de polarização política do Brasil não é nova, mas tem se fortalecido desde as eleições de 2014, quando Dilma Rousseff e Aécio Neves disputavam a presidência. Em 2020, então, com os impactos da pandemia sobre a sociabilidade e saúde mental da população, o cenário atingiu níveis sem precedentes recentes.

“A diferença é que antes havia uma civilidade”, avalia Monalisa Torres, socióloga, cientista política e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece). A especialista explica que a política é constituída por dois componentes:

  • Racional: “tem mais a ver com o cálculo que a gente faz para escolher o candidato que atenda às nossas demandas, é mais pragmático”; 
  • Emotivo: “tem a ver com toda a carga de sentimento e afeto, tanto positivo como negativo, que envolve o processo eleitoral, principalmente as campanhas”.

A polarização atual acontece, então, porque é este segundo, o emotivo, que tem guiado os posicionamentos. “As pessoas estão ali pelo sentimento de pertencimento a um grupo, a um símbolo, muito mais do que o conteúdo racional que envolve a disputa”, diz Monalisa.

urna eletrônica biometria

Um dos casos mais recentes ocorreu em Granjeiro, em 2019, quando o prefeito da cidade foi executado

“Como essas candidaturas mobilizam seu eleitorado? A partir do afeto negativo, do que se rejeita no outro. Não existe um componente racionalizado. A forma como se constrói a identidade do candidato ao eleitor passa pelo conteúdo afetivo”, complementa.

Então, quando esse discurso é carregado para outras arenas de sociabilidade, como família, trabalho, condomínio e a rua; esse componente baseado nos afetos é mais expressivo, e faz com que relações anteriores sejam contaminadas.

Monalisa Torres

Cientista política

A cientista política alerta, porém, que a polarização atinge níveis de gravidade distintos: “existem brigas, que você deixa de conversar, se afasta da pessoa porque não se identifica mais com ela; e existe a radicalização, como no caso do assassinato do tesoureiro do PT”. 

Como a política afeta a saúde mental

Além dos impactos da condução da pandemia no Brasil, cujos efeitos incidiram sobre o poder de compra, o acesso a emprego e a direitos básicos como a alimentação, por exemplo; o avanço da polarização e dos “afetos negativos” desde as últimas eleições expôs a saúde mental de populações ainda mais específicas, como a LGBTI+. 

Pobreza

A psicóloga Layza Castelo Branco, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), analisa que, numa sociedade individualista, “as pessoas têm baseado as escolhas em afetos pessoais” – e é nesse ponto que entra a polarização.

Ela destaca que essa oposição nociva é fruto de um endereçamento errado da instintiva agressividade humana – a qual deveria ser “colocada para fora” de forma construtiva, e não o contrário.

“Vivemos numa sociedade violenta, presa nos carros, nos apartamentos, nos trabalhos. Pouco temos oportunidade de escoar essa agressividade da forma certa.”

Se estou pensando sob uma perspectiva minha, e não macrossocial, então a escolha do outro é como se fosse contra mim, contra a minha pessoa. Se o outro escolhe diferente de mim, ele está contra mim.

Layza Castelo Branco

Psicóloga e professora da Uece

Uma das formas de autocuidado com a saúde mental nesse cenário, então, é a óbvia: respeito ao posicionamento do outro para que o seu seja respeitado, como pondera Layza. A psicóloga cita, ainda, outras medidas possíveis:

  • Distanciar-se de fake news, “que têm o objetivo de nos desorganizar mentalmente”;
  • Evitar entrar em discussões pelas redes sociais, “que não trazem reflexões pertinentes”;
  • Tentar manter sonhos, metas e desejos, apesar do momento político;
  • Pensar no coletivo.


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