Excetuando itens como carros, máquinas, semicondutores e outros reservados às grandes empresas, uma diversificada gama de produtos e negócios tem movimentado a relação entre empresas médias brasileiras e companhias chinesas. Segundo dados do estudo Análise Socioeconômica do Comércio Brasil-China, feito pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) e Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), 19.393 médias e grandes empresas importaram do país asiático em 2024, pouco mais que o dobro em relação a 2008. No ano passado, do total de importadoras, outras 20.666 eram micro e pequenas empresas.

A relação das médias brasileiras com a China vem se consolidando desde 2009, quando os chineses passaram a ser o principal parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos. “Muitos pequenos e médios empreendedores brasileiros começam seu interesse por importação da China pela Canton Fair, maior feira de importação e exportação do país, em Guangzhou, e dali estabelecem parcerias com fábricas para funcionarem como distribuidores em seus próprios países”, diz o chinês Yuanpu Huang, fundador da EqualOcean, plataforma de consultoria focada em inovação e globalização.

Existem três caminhos para as pequenas e médias empresas no mundo dos negócios chinês: importar um produto (ou linhas de produtos) com uma marca chinesa; trazer um produto padronizado chinês retirado de um catálogo, mas com nome de uma empresa brasileira, que é o chamado “white label”; ou desenvolver um produto no Brasil que é, então, construído pela fábrica na Ásia, ganhando nome brasileiro, que é o chamado “private label”.

A Tagima, maior empresa de instrumentos musicais de cordas do país, é um caso de média empresa com negócios há muitos anos na China – e como “private label”. Fundada em 1986 pelo luthier Seizi Tagima, com produção artesanal, foi vendida para a Marutec Music em 1996, que transformou a pequena fábrica na zona oeste de São Paulo em uma empresa internacional, vendendo inclusive nos Estados Unidos e países asiáticos. Nessa virada, trouxe um dos grandes luthiers do país para sua direção, Marcio Zaganin, que passou a controlar a qualidade das várias linhas, das iniciantes e intermediárias, feitas em fábricas na China, às premium e séries limitadas, construídas no Brasil. “Atualmente, cerca de 95% do volume comercializado pela Tagima é produzido na Ásia”, diz Leandro Campos, diretor-geral da empresa, que falou com o Valor da China.

É importante fazer as contas com realismo: câmbio, impostos, frete, tempo de reposição e capital de giro”

— Leandro Campos

A estrutura amarrada com os chineses garantiu escala, competitividade e regularidade no abastecimento. “O modelo funciona especialmente bem para produtos de maior volume e padronização”, diz Campos, que acrescenta que o desenvolvimento dos protótipos é todo brasileiro. Para ele, não existe um perfil único de fabricante por lá. O segredo está em identificar o parceiro especialista e alocar o projeto certo para a planta certa. “Errar nisso pode custar caro”, diz.

A Tagima tem três profissionais de nacionalidade chinesa dedicados por lá: dois controlando a qualidade, em visitas às fábricas, e um no relacionamento, nas negociações e no acompanhamento de ordens de produção. “É essencial ter supervisionamento local”, diz Campos.

O custo logístico internacional representa hoje para a empresa entre 8% e 12% do preço final do instrumento, variando conforme o câmbio e a categoria do produto. “É importante também fazer todas as contas com realismo: considerar o câmbio, os impostos, o frete, o tempo de reposição e o capital de giro. Importar não é apenas comprar barato, é construir uma cadeia eficiente e confiável”, observa o executivo.

Nem todos que vão prospectar na China, em uma Canton Fair, voltam com negócios – principalmente pequenas empresas iniciantes ou médias que vão avaliar o território. “Na minha experiência, metade dos empresários de médias que vão à China não vingam. Muitos vão sem um plano de negócio. Ou são de um segmento e acabam se interessando por outro. Vão para ter ideias, pensar se vale a pena desenvolver alguma outra atividade e ficam por aí”, afirma Thais Moretz, fundadora e CEO da Thae Consulting, desenvolvedora de estratégias entre Brasil e China, e que viveu seis anos no país asiático.

“A maioria das empresas que acompanho abre o catálogo do fornecedor chinês e diz: ‘Quero esse e esse. Coloque minha marca neles’ e pronto”, afirma Bethania Barros, fundadora da Ponttiao, consultoria de importação da China especializada em marca própria. Mas existem os empresários com projetos mais longos, próprios, que desenham seus produtos e os chineses executam, com contrato de exclusividade. “O diferencial é que é um produto que ninguém vai ter igual”, diz a especialista.

A CMOS Drake, empresa média mineira com 35 anos no mercado de equipamentos médico-hospitalares para CTI e faturamento próximo a R$ 70 milhões, tem uma longa história de inovações tecnológicas no setor e projetos feitos no Brasil. Há aproximadamente 15 anos, a empresa, pioneira em desfibriladores externos automáticos (DEA) na América Latina, começou a trazer parte de sua matéria-prima da China. “Cerca de 40% de nossos componentes vem de lá, pois não há cadeia de suprimentos que possa nos atender no Brasil”, diz Marco Aurélio Marques Felix, presidente e fundador da empresa.

No início, Felix fez visitas às fábricas para homologação dos fornecedores chineses, já que seus equipamentos são Classe 4, altamente regulados pela Anvisa. “É preciso certificações como ISO 9000 e ISO 13485 para equipamentos médicos de alta performance, além de classificação sanitária etc. E conseguimos fábricas por lá. Somos uma empresa com um propósito muito forte de salvar vidas, então isso sempre foi uma coisa séria”, afirma.

A área de equipamentos hospitalares é uma em que a consultora Bethania Barros vê potencial para as empresas médias brasileiras: “Existem poucas ou nenhuma marca famosa chinesa aqui no Brasil e isso pode desencadear uma nova onda de importação para os brasileiros. Outro setor em alta é o de cosméticos, que a China está em plena expansão, como já o foi no Japão e Coreia.”

Alguns empreendedores de primeira viagem à China desanimam simplesmente por não colocar seus custos corretamente no papel, desanimando com a carga tributária, custos de importação, volatilidade do dólar, frete alto. “Aí ele nem começa”, diz Barros. “O processo mais adequado para uma empresa começar negócios na China é primeiro fazer uma importação teste, com as ferramentas on-line disponíveis. Vai passar por todas as etapas e sua carga vai chegar. Aí é um bom momento para ir à China, já com essa experiência”, aconselha.

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